sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Diane di Prima



A MULHER DE LOT NÃO TEM

nome.        Se ela olhou para trás
             ou não:

não me interessa. Importa é saber
quem ela foi--como
ela era?       (antes dela
virar--se é que ela virou--aquela
estátua       de sal)     como

ele a saudava     quando ela
voltava dos campos?

sábado, 27 de agosto de 2016

Diane di Prima




Sinais alquímicos

por exemplo, os clarões
da aurora boreal,          uma baleia encalhada
o sonho que você não teve      ou
um deslize ao dizer

isto são sinais
(todos os outros estão contando histórias)

sinais não podem ser narrados
embora você possa aprender
a lê-los--

se você tiver a sorte de
sacar um deles passando

mantenha-o em segredo.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

+ di prima



há aqueles que podem te dizer
como fazer coquetéis molotov, lança-chamas,
bombas o que quer que
você precise
encontre-os e aprenda, esclareça
sua meta, escolha sua munição
com isto em mente

não é uma boa ideia carregar revolver
ou faca
a não ser que você saiba muito bem como usá-los
todas as espadas têm dois gumes, podem ser usadas contra você
por quem quer que possa tomá-las de você

é
possível até mesmo na costa leste
encontrar um lugar isolado para treinar a mira
o sucesso
vai depender sobretudo do seu estado de espírito:
medite, reze, faça amor, esteja preparado
para morrer a qualquer momento

mas não esquente: não são
as armas que vão vencer, elas são
uma parte incidental desta ação
na qual é bom que sejamos bons,
o que vai vencer
é mantra, o apoio que damos uns aos outros,
a energia que despertamos
(o fato de que nós tocamos
partilhamos alimento)
na natureza buda
de todos, amigos e inimigos, feito milhões de minhocas
cavando sob esta estrutura
até que ela desabe.

'carta revolucionária #7"

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Diane di Prima




Acho que vou ficar por aqui
neste asfalto perigoso sob estes
temporais assustadores neste
forte armado encarando dois
rios mortos &
coberta com sujeira
                            enqt as
ruas pegam fogo e as
pedras voam e o seu gás de pimenta
nos derruba
                     pq
é aqui que meus amigos estão,
seus cretinos,          não q
vocês saibam o que isso significa

Não vou vacilar, não vou
mais sentir medo, nós todos
sacamos as mesmas canções, cogumelos, borboletas,
                                                                                    nós todos
temos os mesmos bebês, até q gostamos daqui
os bosques são enormes.


defeito da "Revolutionary Letter #53 - San Francisco Note", de Diane di Prima.

domingo, 3 de janeiro de 2016

+ cummings



p/ camila

já que o SOL está em

LibrA
VibrA

a vida ao revés

(& tudo
é ousado

ao contrário)porque

É Primav
Era

Vidas são vistas

do avesso(vesti
das sem

vícios)mas

o mais
maravilhoso minha

Querida

é que tu &
eu somos mais que tu

& eu(por

ca
us

a dos Nós)

defeito de e.e. cummings.já tinha publicado-em algum lugar-uma versão careta.agora vai assim,dedicado.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Loba



Se você não se esfarela feito pão
em suas mãos,ela cai
feito aço em seu peito.A carne,
mais do que o espírito,sabe o que alma
deseja.Ela afundou
as raízes em seu solo?Ela já olha com seus
olhos de loba através da sua cabeça?


*


ela é o vento que você nunca deixa para trás
gato preto morto num terreno baldio, ela é
cheiro das ervas no verão, aquela que espreita
nos armários abertos da infância, ela tosse
no quarto ao lado, pia, se aninha em seus cabelos
ela é íncubo
rosto na janela
ela é
harpia em sua sacada, estatueta de mármore
talhada na prateleira.
Ela é cornucópia
que uiva na noite, aperto mortal
que você não pode folgar, olhos pretos claros
de garota louca cantando hinos atrás de telas, ela 
é o suspiro em seus adeuses.
Grão negro em jade verde, som
do koto silencioso, ela é
tapeçaria queimada
em sua cabeça, capa de penas
flamejante te leva
morro abaixo
quando você corre 
em chamas
para o mar negro

02 poemas de "Loba", de Diane di Prima.

sábado, 3 de outubro de 2015

di prima



p/ camila

você é o meu pão
e os chiados
baixos
dos meus ossos
você é quase
a praia

você não é pedra
ou som perdido
acho
que você nem tem mãos
(menos
e mais
que a chuva)



espécie de pássaro que voa ao contrário
(da extinção
ao esplendor)
e esta paixão
não se choca contra vidraças
onde nenhuma luz passa
e passa

agora não é hora
p/ falas e falas
(aqui a areia
não é rara)

acho
que o dia que vem
já te tocou com seus dedos
e você deve
brilhar
e brilhar
brilhar
preservada entre o escuro


defeito a partir de hum poema de Diane di Prima.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Laurie Anderson



lou
era
um 

mestre tai chi
e passou seus últimos dias na terra
contente
e espantado
com a beleza 
               o poder 
      a doçura
da natureza

ele
morreu

numa manhã de domingo
olhando as árvores
e fazendo a famosa forma
            21 
do tai chi
          só
com suas mãos de músico
se movendo pelo 
                                ar


Trechos do obituário de Lou Reed escrito por Laurie Anderson.


segunda-feira, 16 de junho de 2014

Cecilia Vicuña



Luxumei
p/ camila


Preciso dizer
que meu enfeite natural
são as flores
embora eu vá me vestir
de um modo incrível
com plumas
garfos facas colheres
e punhados de pelos
e lãs de Taiwan e Luxumei.
Cada vez que espirro
por entre os piercings
encho o céu com faíscas
faço acrobacias
e piruetas endemoniadas
toda noite
me sai um tronco adjacente.
Sou de quatro patas,
preferencialmente,
os galhos
vão me sair pela pele
estou fadada a ser
um anjo com a pélvis
em chamas.


0000000000000000000000000000000000000*




0000000000000000000000000000000000000*


resido no dizer,
000000000000amanheço no estar, 
000000000000000000000000000 palíndrome no tempo


000000000000000000 alquimia000 do000 nome

00000000000000000000000 o000000000instan


0000000000000000000000000000000A alma é co-autora do instante.
000000000000000000000000000000000000000000000 Humberto Giannini

O continuum do tempo é cortar.

Tem
0000p
000000oral.

A língua nos ouve, o silêncio é seu mar.


0000000000000000000000000000000000000*



0000000000000000000000000000000000000*


Selenita

A noite
é um deslize
da manhã
000000000000Um tormento
000000000000para a lua
que sendo
de natureza
apagada
se vê obrigada
a brilhar.


0000000000000000000000000000000000000*





0000000000000000000000000000000000000*


O tropeço da doutrina

Meu amor por ti,
com o que se parece?
Com a compaixão?,
a comoção?,
o feitiço?, a maternidade?,
ou o controle?
Te ver pelas ruas
me acelera a respiração,
és a encarnação
de minhas ideias
nasceste de minha cabeça
tu és meu desvario
que anda solto
e veste calças
na avenida
Pedro de Valdivia.
És um conceito feito carne
tua mãe apenas pensa
ser tua mãe
não és nada além da graça
pura da espiritualidade
a forma frágil e descabelada
de uma beleza interior
feita exterior
por um tropeço da doutrina
ou um equívoco de Deus.


0000000000000000000000000000000000000*


Histórias de astros

1 - No princípio as ilhas eram de todas as cores.
Algumas eram violetas, e tudo ali era da mesma cor,
as árvores, as rochas, a areia.
A policromia não era assunto do dia.
Quando as canoas se afastavam, viam-se várias cores.
De outro modo, apenas uma.
Era tão bonito chegar a uma paragem celeste ou lilás
azul cobalto ou cadmio.

2 - Depois houve um continente cheio de colinas.
Seus habitantes felizes amavam o pôr do sol.
As ávores cresciam no hemisfério e não faltava paisagem
a ninguém. Tudo era curvo, e as demais formas não existiam;
não se conhecia a linha reta, nem para caminhar.
A vista dobrada e o corpo e o cabelo cresciam de forma
ondulada. Amavam em ritmo circular e pensavam em elipse.
Em uma das curvas, o continente cruzou a linha
do real e passou a outra dimensão.
Não é que tenha sucumbido em algum cataclismo, simplesmente
ultrapassou os limites e desapareceu para os nossos olhos.

3 - Aumentam os anciões.
Por fim o universo ficará enrugado.

4 - Há estrelas nas quais os seres não falam.
Apenas olham. Não são gregários. Vivem sós e se
multiplicam durante os passeios noturnos.
Vivem para o gozo e a quietude. Ao mais leve sofrimento,
caem fulminados. É a sua vontade, consideram que é alheio
à vida.

5 - Os germens das estrelas não podem ser evitados.


0000000000000000000000000000000000000*




0000000000000000000000000000000000000*


O amante do dia?




o diamante


*

o que se guarda nos desvãos dos rios?




os desvarios


*

a paixão do companheiro?




a compaixão


*

o que é a mãe?




amanhecer


0000000000000000000000000000000000000*




0000000000000000000000000000000000000*


Mastaba

Achei que entrava
sob uma cascata
num bosque
enquanto metias tua mão
em minhas nádegas.

Pensei que voava
apeando do cavalo
tua mão em meu sexo
me impulsionava
feito um pássaro úmido.

Flutuei gozosamente
na ocasião
me molhei até os joelhos
e duas lágrimas
rolaram negras
em minhas bochechas.


0000000000000000000000000000000000000*


Anatomia do papel

O curioso é que a folha
parou sozinha
Não tinha o ferrinho
ereto por trás
Isto me surpreendeu
do mesmo modo
que o teu sexo
que não tem osso
e é mais duro
que um joelho
que tem vários ossos
cinco ou seis eu acho.


0000000000000000000000000000000000000*




0000000000000000000000000000000000000*


A mulher de C.

Curioso é que "Judy"
é nome para morcego
e não para esta donzela
que aparece nua
sem o menor estrago
e é tão alta
que as pessoas
não consideram-na
uma delas
e é tão prolixa
que amedronta
as nuvens
e quando se move
todos olham
pra ver se vai
de patins
e quando se senta
se cerca de auréolas
as cadeiras cantam
e o chão
em geral
estremece.


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Estes são alguns poemas de Cecilia Vicuña (1947) - que, com os exageros indevidos que só servem mesmo para chamar atenção e pedras, considero a autora mais importante da poesia latino-americana contemporânea. É também artista visual, cineasta e performer. Exilada em Nova York desde 1980, parece não ser muito lida no Chile ou em qualquer outro país da região, embora tenha publicado livros fundamentais como SABORAMÍ, Palabrarmas, Luxumei o el traspié de la doctrina e I tú (todos disponíveis no site Memoria Chilena). Vídeos, há muitos em seu canal no Youtube. No Brasil, só tenho notícias de uma publicação, o "Livro deserto", traduzido por Ricardo Corona e publicado junto com o número 3 da revista Bólide. Sua obra cresce a partir de etnopoesia, intervenções urbanas, colagem, instalações, adivinhações, o espanhol, o inglês, o quéchua e um longo etc. Esta seleção de traduções que fiz não obedece a nenhum critério específico porque o prazer da leitura não tem critérios - ou, se os tem, eles não são específicos.


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Cecilia Vicuña: An animal respose to poetry.